Depois da morte do meu pai a minha cabeça parecia um novelo, e não consigo lembrar de muito. O que me lembro são só fragmentos, na sua maioria dignos de um filme de terror. Houve situações por que passei que por enquanto não posso partilhar, um dia quem sabe, farei um filme de suspense e terror .![novelo.jpeg novelo.jpeg]()
Passava muito tempo sozinha no quarto a chorar a morte do meu pai, não me lembro realmente de ter tido o apoio de alguém, até posso ter tido, mas “infelizmente” fui dotada com uma capacidade enorme em associar as palavras que dizem ao que realmente sentem. Por vezes queriam ensinar-me amor com odio no olhar, e isso impedia-me de aprender. Agora sei que só se pode dar aquilo que se tem, e os responsáveis por mim na época também não tinham mais para me dar, porque o que receberam ao longo da sua vida tinha sido muito pouco, e mau.
O que me recordo de bom são, das brincadeiras com os meus irmãos e vizinhos, na oliveira do parque, de brincar na praia, no mar, aventurava-me sempre, nunca me impediam, sentia-me livre, fazia amigos que realmente queriam brincar comigo, e só precisava de voltar para os meus familiares na hora das refeições. Uma outra coisa que eu amava era dançar, mas não me deixavam, porque atrapalhava, porque fazia barulho, segundo “eles”, eu não prestava para dançar, nem cantar. Quando queria dançar, cantar, ou fazer algo que pudesse provocar barulho ou movimentos era censurada, e então ia para o bosque para poder libertar-me um pouco, sempre sozinha.
A minha mãe não admitia que eu fizesse algo que perturbasse o “génio”, o meu irmão mais velho, porque ele, ele sim iria ter um futuro brilhante, pois era responsável, inteligente, etc., etc., etc., não tenho raiva dele, tenho pena deles, porque não tiveram alguém que os salvou ainda.
Se eu um dia os irei ajudar?
Não sei, hoje estou a aprender a ser forte, ainda não estou preparada para essa batalha.
Tive que pensar e agir, de acordo com o que os outros achavam ser o correto aos olhos da sociedade, não interessavam os meus desejos, gostos, interesses, só o dos outros. Depois do meu pai morrer tudo mudou, e percebi que ele era a pessoa que me educava, amava, e ensinava a ser eu mesma, respeitando os outros ao mesmo tempo. Depois da morte descobri uma mãe diferente, passou de alguém calado e reservado, para alguém muito feroz, não sei qual o seu interesse, talvez económico, porque o meu pai lhe proporcionava uma vida muito estável economicamente, então fingia constantemente ser o que não era. Como é possível alguém conseguir viver assim tanto tempo?
Gostava que percebessem que viver de aparências é doentio, e quase me matou.
O meu pai ensinou-me que somos todos iguais, o empregado da limpeza, a senhora da portaria, o gerente de contas do banco, o polícia, o bombeiro, o medico, a enfermeira, o presidente, ensinou-me que todos somos só uma peça de um grande puzzle, e que as peças de um puzzle são na maior parte das vezes todas planas, a não ser que seja um puzzle 3D, mas isso é outra história. Ele ensinou-me que todas as peças têm o mesmo valor, mas umas tem mais responsabilidades em segurar outras peças para que se mantenham unidas, são os professores, ensinando os seus alunos, são os médicos quando ajudam a manter a saúde dos seus utentes, é o presidente, dando a cara pelo país, são os pais quando educam e ajudam os seus filhos. ele também me ensinou que não devo admirar mais o medico do que o presidente, nem devo admirar mais o presidente do que o empregado de limpeza. Devo respeitar todos de forma igual. Assim que o meu pai morreu comecei a sofrer uma lavagem cerebral no sentido oposto a tudo aquilo que falei, e era obrigada constantemente a manter uma aparência de fachada, e de veneração aos que eram mais “poderosos”. Hoje percebo que a minha mãe estava a procura do seu próximo marido, mas mesmo que eu soubesse disso, na altura não me iria ajudar.
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